História social do LSD no Brasil: os primeiros usos medicinais e o começo da repressão
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Em História social do LSD no Brasil, Júlio Delmanto analisa os detalhes do primeiro processo judicial por tráfico de dietilamida do ácido lisérgico no país, ocorrido treze meses depois do endurecimento da ditadura pelo AI-5. O livro percorre o longo caminho entre a descoberta do LSD na Suíça, em 1943, e a prisão de um jovem artista na cidade de São Paulo, em 1970, caso atravessado por episódios de tortura e sensacionalismo jornalístico. Nesse trajeto, o autor aborda os primeiros usos da substância Brasil — em pesquisas científicas que, já nos anos 1950, buscavam investigar os efeitos da nova droga sobre a mente humana — e os antecedentes políticos e sociais que fizeram do ácido um ícone da contracultura nas décadas de 1960 e 1970, tendo papel catalisador em movimentos artísticos que influenciaram gerações.
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Chega em momento propício este livro de Júlio Delmanto, escrito originalmente como tese de doutorado sob a orientação de Henrique Carneiro, na Universidade de São Paulo. Seja pela atualidade da Renascença Psicodélica, pelo fracasso retumbante da guerra às drogas ou pelo derretimento aparentemente inexorável do capitalismo pós-pandemia, é de grande valia acadêmica e política a reconstrução da chegada do LSD ao Brasil, bem como sua repressão subsequente. A brutalidade policial utilizada para prender e torturar os pioneiros do LSD se torna ainda mais chocante quando se constata que pesquisas publicadas nos últimos cinco anos mostraram que as drogas psicodélicas clássicas, entre as quais o LSD, promovem a plasticidade do sistema nervoso, favorecendo a curiosidade e o aprendizado. Muita energia repressiva do Estado foi dispendida no afã de proibir uma substância que promove novas sinapses e aumenta a capacidade cognitiva de quem a utiliza.
— Sidarta Ribeiro, neurocientista
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O LSD foi a primeira droga conhecida por uma sigla. Essas três letras, usadas para identificar a dietilamida do ácido lisérgico, se tornaram lendárias. Como uma explosão nuclear psicoquímica mundial, a substância chegou ao Brasil pelos consultórios médicos psiquiátricos, onde foi usada de forma terapêutica e experimental. Escritores, pintores, filósofos e artistas buscaram nela um oráculo químico e desenvolveram uma expressão estética que se consagrou com o psicodelismo. Nos anos 1960, no Brasil, a experimentação com o LSD se chocou com a ditadura (1964-1985), que perseguiu o seu uso e prendeu os primeiros adeptos da substância. A história do ácido lisérgico atravessa, assim, as pesquisas médicas e os ateliês de pintura, e chega às delegacias com a repressão aos seus pioneiros no país.
— Henrique Carneiro, historiador
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Osmar Ludovico da Silva era um jovem de classe média, morador do bairro da Pompeia, em São Paulo, quando decidiu “botar o pé na estrada”, segundo suas palavras: mudou-se para a Europa antes do golpe de 1964, viveu em diversos países e se aproximou das formas de agir e pensar que compunham a nascente contracultura dos anos 1960 e 1970.
Envolvido com o comércio de haxixe para se sustentar, teria se tornado intermediário de um traficante libanês e, depois, tentado buscar direto na fonte, em Beirute, para vender na Dinamarca, onde vivia. Foi detido em 1968 com treze quilos de haxixe escondidos no painel do carro e passou um ano preso, entre penitenciária comum e uma espécie de manicômio judicial. Superlotação, torturas.
Lá, Osmar conheceu Barry John Holohan — australiano de rígida criação católica, sócio de cassino em Londres, e que, posteriormente, se descreveu como alguém que entrou para o tráfico mais em busca de aventuras do que de dinheiro —, preso pelo mesmo motivo. Quando soltos, Barry foi para a Califórnia, Osmar voltou para São Paulo. Os dois tinham um plano em vista: vender LSD no Brasil para comprar cocaína, que seria vendida na Europa.
Parece um enredo policial — e não deixa de ser —, mas é assim que começa o livro História social do LSD no Brasil: os primeiros usos medicinais e o começo da repressão, de Júlio Delmanto, fruto de uma pesquisa de doutorado defendida na Universidade de São Paulo, e que a Editora Elefante lança em junho.
A capa não é uma viagem. Quer dizer, é uma viagem, claro, mas não uma viagem aleatória. Aliás, sim, é uma viagem aleatória — qual não é? Enfim, o que estamos querendo dizer é que a ilustração da capa, assinada pela nossa diretora de arte, Bianca Oliveira, foi baseada livremente na descrição da primeira experiência que o poeta Roberto Piva teve com o LSD, nos anos 1960, na Serra da Cantareira, em São Paulo.
“Fomos em dois carros, junto com outras pessoas que também tomaram a droga. Lá, eu entrei no meio do mato e repentinamente, quando bateu o ácido, olhei para o sol e vi como se fosse uma grande tangerina gotejando amor para o universo”, descreve Piva, em trecho reproduzido em História social do LSD no Brasil. “Então tirei a roupa. Fiquei totalmente nu, e caminhei por todo aquele mato sem me machucar em nenhum espinho.”
A geração dos beats paulistanos, que teve em Piva um dos seus expoentes literários, recebe atenção especial no livro, bem como outros grupos de vanguarda artística que também embarcaram na psicodelia quando o LSD começou a chegar no Brasil — com destaque para os tropicalistas. Já ouviram falar nas “dunas da Gal?”. Pois então. Muita coisa que aconteceu na cultura brasileira nos anos 1960 e 1970 permanece relativamente desconhecida.
Mas o historiador Júlio Delmanto não se limitou, porém, ao âmbito do que muita gente chamaria simplesmente de “curtição”. O livro se dedica a entender o caminho das pesquisas realizadas no país sobre os efeitos medicinais e terapêuticos da dietilamida do ácido lisérgico. Assim como em outros lugares do mundo, foram cientistas curiosos por conhecer os efeitos da nova droga que trouxeram o LSD ao Brasil.
Na época, a Sandoz — farmacêutica suíça onde trabalhava Albert Hofmann, responsável pela descoberta do ácido, em 1943 — fornecia doses puras da substância para todo pesquisador que quisesse estudá-la. Esse fornecimento, depois, seria interrompido, devido a uma intrincada rede de interesses políticos internacionais que Júlio Delmanto aborda no livro.
Com a proibição do LSD, as redes de tráfico passaram a se estruturar em todo o mundo e, de maneira quase improvisada, chegaram por aqui na bagagem de jovens vindos dos Estados Unidos em plena vigência da ditadura (1964-1985). A ação das autoridades, o comportamento da imprensa e a cena cultural da época fornecem a matéria-prima principal da pesquisa que deu origem a História social do LSD no Brasil.
SOBRE O AUTOR:
Júlio Delmanto é formado em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, com mestrado e doutorado em história social pela Universidade de São Paulo. É autor de Camaradas caretas: drogas e esquerda no Brasil (Alameda, 2015), além de diversos artigos sobre o tema. Faz parte da organização da Marcha da Maconha em São Paulo e do Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR).
Detalhes da edição:
Autor: Júlio Delmanto
Edição: Tadeu Breda
Preparação: Fabiana Medina
Diagramação: Denise Matsumoto
Capa e projeto gráfico: Bianca Oliveira
Revisão: Tomoe Moroizumi e Laura Massunari
Lançamento: agosto de 2020
Páginas: 436
ISBN: 978-65-990141-5-4
Comprimento: 21,00 xm
Largura: 14,00 cm